-
Notifications
You must be signed in to change notification settings - Fork 2
/
Copy pathcartaaoshackers.txt
52 lines (32 loc) · 6.98 KB
/
cartaaoshackers.txt
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
46
47
48
49
50
51
52
# Carta aos Hackers
Em outubro de 2009, encontrei outras 120 pessoas que compartilhavam um delírio comum: redes e tecnologias digitais poderiam servir para transformar a política e, com isso, a realidade.
Pouco antes desse encontro havia visitado o escritório da Transparência Brasil, onde o Claudio Abramo - um dos nomes importantes para a transparência pública no Brasil - fez questão de jogar uma pá de areia nas nossas ideias e de negar um punhado de dados públicos que eles, na ONG, há muito custo tinham garimpado e que, portanto, era deles.
Do encontro, o Transparência HackDay, saíram alguns poucos projetos e ideias e uma percepção de que era possível fazer política de outra maneira - sem terno, gravata e Brasília.
Esse encontro virou uma lista - a Transparência Hacker, ou T.Hacker. Essa lista virou um movimento, com mais de 1.500 participantes de todo Brasil. Virou também um Ônibus que circulou por todo o Brasil. Pela lista ou por iniciativas derivadas dela, entramos na Câmara Municipal, na Assembléia Legislativa e no Congresso Federal. Escrevemos leis, participamos de consultas públicas e de uma série de encontros aqui e lá fora. Entramos no Executivo e flertamos com o Judiciário (mas não fomos muito correspondidos). Conhecemos vários ministros e secretários. Desenvolvemos dezenas de aplicativos - quase todos produtos falhos ou não bem sucedidos, mas envoltos em processos riquíssimos de aprendizado.
Na T.Hacker, aprendi a ler e escrever os códigos digitais - Python, Javascript e Arduino. Aprendi também a ler e escrever os códigos legais - sei o que é uma emenda, um inciso, uma indicação e até que diabos é o caput.
De lá pra cá, fui trocando informações - sempre públicas, sempre no loop - com centenas (milhares) de hackers do Brasil inteiro das mais diferentes formações. A T.Hacker é composta por servidores públicos, advogados, programadores, poetas, políticos, designers, jornalistas, utopistas e distopistas de várias matizes políticas. O mais plural dos coletivos que já conheci.
Durante um longo tempo, enquanto íamos organicamente nos constituindo como 'hackers da política', fui opositor radical a ideia de ocupar o espaço institucional - como poderíamos manter linguagem, processo e autonomia num ambiente tão hostil a tanta coisa?
Em 2011, no Fórum de Cultura Digital, ficamos sabendo pelo deputado federal Paulo Teixeira da tramitação um projeto sobre dados públicos e transparência. Tivemos acesso ao documento, fizemos um corujão intenso de produção remota e colaborativa e produzimos um conteúdo qualificado que, pelo intermédio do deputado, entrou na discussão oficial, foi absorvido e virou parte da LAI - Lei de Acesso à Informação.
Esta foi a primeira vez que percebi que interfacear com o Estado, ainda que seja um processo bem hostil, possibilita aprendizado e incidência.
Em 2012, ganhamos um grant da Fundação Rockefeller para pesquisar o legislativo municipal e passei dois anos com a cabeça enfiada em regimentos internos, fluxos legislativos e PLs. Sai de lá transformado e transtornado.
Existe possibilidade real de hackear o legislativo!
As regras estão lá descritas e quem domina o regimento, tem maior poder sobre o processo legislativo. (Cunha que o diga)
Em 2013 rolaram as manifestações de junho. Milhares nas ruas num troço que ainda traz pelo menos dois ecos muito fortes: a inconformidade com as instituições e uma ignorância latente sobre como funciona a política. Vi as manifestações da janela do Ônibus Hacker; estávamos no Uruguai em um encontro internacional pelos dados abertos quando a coisa realmente escalou. O olhar afastado e pouco emocional me deu a certeza de que a gente precisa lutar *muito* por por acesso e influência nas instituições, e também produzir e disseminar educação política.
Em 2014 montei o LabHacker com a expectativa de fazer justamente isso, um espaço permanente de encontro e troca para qualificar o debate dessa galera que está afim de ir pra rua e propor uma outra forma de fazer política. Aliás, 2014 também foi o ano em que foi eleito o congresso mais conservador desde a ditadura.
Vem 2016 e é, de novo, ano de eleição. A primeira (e talvez última) eleição sem financiamento empresarial de campanha. Ao mesmo tempo, com um contexto político todo fragmentado e imprevisível. Estou vendo tudo isso como uma grande brecha, um backdoor, para entrar no sistema e fazer alterações no código. Decidi que vou ser vereador aqui em São Paulo.
Os motivos são vários:
* Precisamos redescobrir e ressignificar o imaginário político. A gente fez e faz isso constantemente na T.Hacker, mas é hora da gente realmente botar isso à prova, em outro nível.
* Existem coisas que só dá para fazer sendo vereador. Uma delas é pedir que toda votação se dê por 'votação nominal' (parece óbvio, mas a minoria das votações na Câmara tem gente votando de fato)
* Descobri o Teatro Legislativo do Augusto Boal e entendi pela primeira vez que dá para fazer a vereança de vários
jeitos diferentes.
* O Congresso (quase) todo vota por Deus e pela família. E a Câmara não é muito melhor. Nada contra, eu curto deuses e tenho família - mas acho que a gente pode fazer melhor que isso.
* Eu sei pra caralho de processo legislativo - mais do que 70% dos vereadores (número que vem do bolso do batman). E esse conhecimento está subutilizado nos meus scripts em Python.
* Falta transparência na Câmara. Tem uma série de coisas triviais tipo 'agenda da plenária' que a gente já pediu várias vezes e eles se fazem de desentendidos.
* Falta transparência na Câmara. A 'real politik' vive descolada do regimento e boa parte das coisas escritas ali não funcionam porque a pratica é acordo e conchavo ao invés de debate e democracia.
* Eu tenho duas filhas e uma delas mora em São Paulo. Eu quero uma cidade melhor pra mim e pra ela. (Viu? Eu também voto pela família.)
* Nestes anos flertando com a política conheci muita gente foda e percebi o quanto a gente foi se desenvolvendo, colaborativamente. Quero ser um peer ativo da rede, explorando os limites do tráfego de dados, para gerar, mobilizar e compartilhar conhecimento político.
* Eu li Pequeno Príncipe e Homem Aranha.
Enfim, tô cheio de idéias. Quero promover residências hacker e botar uma molecada circulando e causando na Câmara Municipal. Quero testar os limites da regras morais e inúteis da casa, como as de vestimenta. Quero dar visibilidade e constranger pedindo votação nominal.
Tive que escolher um partido. Escolhi a REDE por um motivo bem objetivo: é o único partido que permite em seu estatuto Candidaturas Cívicas Independentes, com autonomia sobre votos e sobre o mandato. Outros partidos também permitem, mas por acordos, não por regras estabelecidas. Sou um legalista.
Não, não sou o pré-candidato das pautas. Sou o pré-candidato dos processos (nota: a lei me obriga a dizer "pré"). Nunca fui e nem serei o melhor programador. Mas sempre programei em código aberto. Quem quiser, cole junto!
Lei é Código!